por Rogério Moroti
“Trinta e três minutos jogados aqui no estádio Scatenão em Batatais. O Fantasma da Mogiana vai vencendo o XV de Jaú por 3 a 1 pelo Campeonato Paulista”, exalta o narrador da rádio de Batatais.
Trata-se de mais um domingo de futebol. Nada de anormal!
Aquelas pessoas sentadas ali nas arquibancadas, nem imaginam que debaixo delas, existe um personagem especial, que durante toda semana, apara e molha o gramado, varre os assentos das arquibancadas, coloca a rede no gol. E que algumas horas antes do início do jogo hasteia as bandeiras.
“Cansado da lida
com sol na subida
em duro batente
no campo da vida.
Tristeza que a gente
sem um vintém
trabalha, trabalha
e a grama não vem.
O sol forte atrapalha
e a água não tem
estou no beco
a caixa vazia
o campo está seco
torneira só chia”
Mas que prefere, ao invés de assistir ao jogo, ficar só em sua “salinha”, torcendo para o Fantasma em companhia de um velho radinho, escutando aquele narrador da AM de Batatais.
Em cima de uma velha mesa, em meio a ferramentas, bolas, velhos quadros, etc, anota tudo o que escuta pelo radinho amigo, fazendo seu arquivo pessoal das partidas e campeonatos.
E vai arquivado tudo em um velho armário, nesta mesma sala, debaixo das arquibancadas, em meio a jornais antigos, documentos sem utilidade e páginas e páginas de poesias.
Quem é ele? Roberto Ferreira, nascido há 73 anos em Serra Azul, mas que cresceu na cidade mineira de Guardinha, onde pode estudar somente até a quarta série, mas que gostaria de ter continuado e quem sabe até se formado.
“Não dependia de mim. Naquela época nossos pais tinham outros pensamentos”, diz “seu” Robertinho, como é carinhosamente conhecido.
“Às vezes sinto saudade
do lugar onde fui criado
não é uma grande cidade
é apenas um povoado...
Mas tem muita beleza
tem cachoeira lajeado
tem o Morro da Mesa
bem pertinho da Guardinha
onde eu fui criado.
Lá cantava o sabiá
Aqui canta o Bem-te-vi
Eu sinto saudades de lá
Mas gosto muito daqui.
Lá eu conheci
a primeira namorada
uma linda loirinha
ai meu Deus quanta saudade
que saudade de Guardinha”
Mesmo tendo só o primário, como se usava dizer, “seu” Robertinho sempre se interessou por conhecimentos, leituras e coisas do mundo.
Foi assim que aprendeu a difícil tarefa de ser telegrafista da Fepasa - Ferrovia Paulista SA - onde passou 22 anos de sua vida, tempo em que casou com Cecília e teve dois filhos. “Era maravilhoso, eu amava o trabalho que fazia”, diz em meio ao bate-papo.
“Saudade da Maria
que há muito tempo não passa,
agora é só rodovia
adeus Maria Fumaça...”
Após deixar a ferrovia, foi bibliotecário por oito anos na escola Coronel Joaquim da Cunha, em Altinópolis, onde apurou o gosto por livros literários, principalmente aqueles de poesias.
Passou a ler mais, e devagar começou a fazer seus primeiros versos. “Nunca me imaginei trabalhando ali, mas aconteceu e foi muito bom”, argumenta.
Em 1982, já aposentado, deixou Altinópolis, em busca de melhores oportunidades para os filhos, Ricardo e Renato e desembarcou na vizinha Batatais, para residir ao lado do estádio Dr. Oswaldo Scatena.
Com poucas atividades cotidianas, viu que poderia fazer uma pequena horta, em um espaço ocioso nas dependências do estádio, para passar o tempo e colher algumas verduras frescas.
O gosto pela leitura e pela escrita continuava aceso, só não havia ganhado ainda versos sobre o Batatais FC.
“Quero-Quero fez seu ninho
lá na beira do gramado
quero, quero seu carinho
quero ser seu namorado”
Alguns anos se passaram e em 1993, depois da morte do zelador do estádio, onde mantinha sua horta, foi convidado pelo presidente do clube, José Nilton, para assumir o posto no Scatenão.
Convite aceito! Claro, após uma pequena reunião familiar. “Minha mulher e meus filhos se opuseram de início, já que eu estava aposentado, mas achei que seria bom para mim”, relembra enquanto revira seu arquivo no armário.
“Falar sobre o Batatais
não é fácil meus senhores
há muito tempo atrás
já teve bons jogadores.
Rolar a bola no chão
dar passe de calcanhar
ter de campeão
e a taça levantar”
Passados 17 anos, “Seu” Robertinho é o funcionário que há mais tempo está no Fantasma da Mogiana. Conhece cada metro do gramado, já varreu todos os degraus das arquibancadas e principalmente conquistou o respeito de todos que frequentam o lugar.
“Ele é trabalhador, honesto, simpático e está sempre a disposição”, diz o presidente do Batatais FC, José Luís Lobanco Arantes, que o conhece no mínimo há dez anos.
Desde pequeno Robertinho sempre escreveu muito, e sobre todos os temas, desde sua criação, passando logicamente pelos pais, emprego, esposa, filhos, neta e, hoje, principalmente do Batatais FC.
Nos dias atuais, ele divide o trabalho de zelador do estádio com mais duas pessoas, que além do trabalho dividem a mesma salinha e as mesmas ferramentas.
Um deles é José Antônio Callegari, que há mais de cinco anos convive diariamente com Robertinho.
“Eu gosto de felicidade
eu gosto desta cidade
sou dono do meu nariz.
Eu não gosto de maldade
eu corto pela raiz
gosto de sinceridade
no meu campo sou juiz”
“Durante o dia no trabalho, ele está sempre fazendo versinhos, ai quando chega a noite vem colocar no papel o que bolou durante o dia”, disse Callegari enquanto prepara uma limonada para o almoço que diariamente fazem nas dependências do estádio.
Em 2006, Robertinho teve uma das suas maiores alegrias nos últimos anos.
Nasceu Lays, sua primeira neta, filha de Ricardo, o mais velho de seus dois filhos. Daí em diante, ele passou a dedicar parte de suas criações à netinha.
“Bis, bis, bis na pontinha do nariz
bis, bis, bis na pontinha do nariz
Menina sapeca
foi jogar peteca
sujou o nariz
Menina levada
netinha do Roberto
foi brincar na calçada
esqueceu o portão aberto
Bis, bis, bis na pontinha do nariz
Bis, bis, bis na pontinha do nariz”
O zelador-poeta também dedica grande parte de suas obras a jogadores e treinadores que passaram pelo clube nos últimos anos.
“Fiz vários versos para o técnico André Oliveira, que em 2008 quando fez nosso time subir de divisão, sempre me pedia pra escrever e gostava também de ler o que eu já havia feito”.
A boa campanha do clube em 2008, que depois terminaria com o acesso do clube a Série A3 do futebol de São Paulo, inspirou o poeta a realizar uma série de versos e poemas em homenagem ao time.
“Começamos devagar
com muita dificuldade
chegamos quase a pararmas ganhamos velocidade
Agora estamos quase
chegando na reta final
já estamos na terceira fase
vamos fazer um carnaval
Avante rapaziada
com os pés firmes no chão
vamos seguir por esta estrada
e o time será campeão”
Para o atual presidente do clube, Robertinho é daquelas pessoas que cada vez menos se pode encontrar. “Com certeza uma pessoa especial, simples, humilde e de um coração enorme”.
Em 2008, o ex-presidente do clube, Moysés José Cocito, contra a vontade de Robertinho levou até um jornal da cidade alguns de seus poemas para que fossem publicados. A edição com sua obra também está bem guardado em seu armário.
Robertinho, no início do ano passado, recebeu da Diretoria Executiva do Fantasma da Mogiana uma placa em homenagem aos serviços prestados ao clube durante todos estes anos.
“Robertinho não era mole
já foi bom goleador
chutava de gole em gole
no bar do “seu” Salvador”
Na semana passada, o técnico Machado, da equipe Sub-17 do Fantasma, pediu para que o poeta fizesse uma palestra com os meninos do clube. Meio relutante, Robertinho aceitou o convite e no meio do gramado, que cuida diariamente, teve seu momento de protagonista para uma platéia atenta e respeitosa. “Hoje faço o que gosto. Amo trabalhar aqui no estádio, faço meus versinhos e poemas e assim vou levando a vida”.
Excelente matéria Moroti, tenho a honra de ser amigo do Sr. Robertinho, eu e minha família, desde qdo ele começou a trabalhar no BFC e sempre foi esta pessoa ESPECIAL de um caráter ímpar e realmente pessoas assim estão em falta, que Deus o ilumine e o possibilite de estar sempre realizando seus sonhos e desejos e mantenha sua capacidade de tecer seus versos.
ResponderExcluirE que amor pelo nosso "fantasma da mogiana".
Parabens seu Robertinho, o sr. é um exemplo de vida.
José Carlos Lourenço